Quem vê a desenvoltura da assistente social Rosa Helena Alves ao caminhar pelas ruas cheias da cidade de Mauá, na Grande São Paulo - almoçar em um shopping lotado ou participar de um simpósio ao lado de companheiros de trabalho -, não imagina como foi a vida dela desde a infância.
Veja as técnicas de respiração com a professora de ioga Selma Trajano
“Hoje me sinto numa situação confortável. Há alguns anos eu não conseguiria fazer isso sozinha, teria que estar sempre com alguém me acompanhando, porque eu tinha pânico de ficar no meio do público”, lembra Rosa.
Até receber o diagnóstico de transtorno de ansiedade, ela era tida como extremamente tímida. Não gostava de se relacionar e apresentava reações físicas.
“Eu sentia mal estar, dor de cabeça e vontade de ir embora. Muitas pessoas me apavoravam”, acrescenta.
Rosa Helena sofria da impossibilidade de falar em público e se sentia mal no meio de muita gente. Na faculdade, para se formar em serviço social, tinha dificuldade de estudar com os colegas.
“Dava preferência para fazer os trabalhos sozinha e dividir a nota com o grupo. Eu sempre tinha uma desculpa para não estar”, conta.
Ela tomou medicação e fez psicoterapia, mas a libertação da doença veio mesmo com uma prática milenar.
Nada pode ser mais difícil para uma pessoa ansiosa do que parar, respirar fundo, afastar os pensamentos ruins e controlar o nervosismo. Pois é isso que uma turma busca com a ioga, uma das formas de tratamento para ansiedade. Isso de ficar sentado, relaxando e exercitando a respiração pode até parecer fácil, mas para os ansiosos é um sacrifício que estão aprendendo a superar.
“Hoje eu paro, respiro, penso e tento eliminar os pensamentos negativos. Hoje tenho maior controle sobre o meu corpo”, garante Rosa Helena, que apostou nesse caminho.
A prática de ioga é um dos tratamentos oferecidos pela Associação dos Portadores de Transtorno de Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo.
“A gente precisa saber viver com ansiedade e usá-la a nosso favor. Então a ioga ajuda você a ficar mais calmo, mais tranquilo, que analise melhor as situações, o que está ocorrendo com você, para que você possa, aí sim, lidar com o problema”, explica Mariangela Gentil Savoia, psicóloga do Programa de Ansiedade.
Ela se libertou do transtorno e há quatro anos vai uma vez por semana a São Paulo ter aula de kundalini ioga. A capital paulista foi a cidade brasileira escolhida para um estudo internacional sobre ansiedade e depressão feito em 18 países. Os números mostram que São Paulo é mesmo o que parece: uma terra de gente ansiosa.
“A ansiedade nem sempre evolui para um quadro grave. Ela nos ajuda a ter um bom desempenho. Apenas algumas pessoas começam a ter algumas doenças de ansiedade, talvez 20% da população mundial têm chance durante a vida de ter algum tipo de fobia, pânico, algum transtorno de ansiedade”, diz Antonio Egídio Nardi, professor titular de psiquiatria da UFRJ.
De cinco mil entrevistados, mil pessoas revelaram transtornos de ansiedade ou depressão. Dois em cada dez tinham problemas graves.
“O que mais chamou atenção como um todo foi que o número de casos graves é bem alto”, aponta a psiquiatra Laura Helena de Andrade.
O estudo revelou que as mulheres são mais ansiosas do que os homens, e a explicação pode ser hormonal. Em três momentos da vida, as mulheres sofrem uma queda abrupta de estrógeno.
“Você vê muito mais sintomas de ansiedade no período pré-menstrual, do puerpério (pós-parto), quando você tem agravamento de transtornos de pânico, e também na menopausa”, destaca Márcio Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade.
Na ioga, Rosa Helena conheceu outras mulheres que também tentam se esquecer de todos os tipos de medo. Mulheres sempre à beira de um ataque de nervos.
“As primeiras vezes eu achei que não ia dar certo, eu ficava quieta e sentia o meu coração bombando. Eu sentia que precisava sair dali, estava muito quieta, porque eu sou um pouco inquieta”, lembra a analista de sistemas Gisele Echeverria.
Até a professora confessa: já sentiu na pele os efeitos da ansiedade. A intenção da instrutora de Ioga Selma Trajano era acalmar o espírito, mas acabou se apaixonando pela ioga.
“Na respiração profunda você acalma e relaxa. Os alvéolos pulmonares são oxigenados, e isso ajuda a oxigenação também no cérebro, auxilia no relaxamento profundo”, explica a professora.
Se a técnica funciona tão bem, por que não experimentá-la no nosso dia a dia? Quem ensina é Selma, a instrutora de ioga que derrotou os fantasmas da ansiedade.
“Uma respiração básica é a respiração lenta e profunda. Então você fica alinhado com a coluna reta, sentada com as pernas cruzadas, ou sentada numa cadeira, caso você tenha alguma restrição com a posição no chão. Consiste em inspirar lenta e profundamente a partir do abdome, subindo na região do peito, clavícula, e a expiração é no movimento contrário, relaxa a clavícula e vai relaxando a parte do peito e contraindo o umbigo”, ensina.
No vaivém da respiração, uma descoberta: o próprio corpo cria mecanismos para facilitar a nossa vida. Mas o que acontece com quem não respeita os limites físicos e emocionais?
O Globo Repórter acompanhou um dia na vida de um ansioso típico. Para o consultor de segurança José Bigon Filho, o tempo passa muito depressa e as 24 horas do dia não são suficientes.
O dia dele começa cedo, às 6h, e apressado. No café, a família mal se acomoda à mesa. O lencinho está sempre à mão. Seca o suor que pouco tem a ver com a temperatura. É reflexo da mais pura agitação.
“A minha vida sempre foi muito corrida, até porque eu sou paulista. Então você tem que acordar cedo, tem que ir dormir tarde”, conta Bigon.
Aos 59 anos, o consultor de segurança é o que se pode chamar de bom papo. “Posso contar a historinha, bem rápido?”, pergunta. Sempre tem algum assunto. Nunca falta opinião.
“Não espere que alguém faça por você. Vá lá e comece você a transformação”, recomenda.
Tanta energia somada ao alto grau de exigência da profissão resultou em uma vida sem pausa para respirar.
“Voltava após um mês fora e já estava com outra mala pronta. Ele deixava uma e pegava outra. Saía para outro lugar”, conta a esposa Margarete Saiauskas.
A rotina mais do que intensa teve consequências, e a vida ficou por um fio. “Minha pressão chegou a pouquinho, 270 por 180, só, quando o padrão de medicina diz que é 13 por 8, 14 por 8”, conta.
José Bigon já teve nada menos do que três infartos e uma cirurgia delicadíssima para fortalecer o coração. “Nos infartos, não teve problema. Passou. Mas essa cirurgia que ele fez foi realmente complicada”, diz a esposa.
Bigon não dirige mais. Parte da visão do olho esquerdo ficou prejudicada depois de um dos infartos. É de ônibus que ele vai para o trabalho, em Curitiba. Fala o tempo todo, com todo mundo. Na empresa onde trabalha, Bigon já chega atarefado.
Sobre a mesa, um computador só é pouco. Ele tira mais um da mochila. O telefone dificilmente fica mudo - ou melhor, os telefones. Está conectado ao mundo permanentemente, e acha pouco.
“Eu gostaria que fossem um pouco mais de 24 horas. Não sei se 36 ou 48”, sonha.
À medida que fala, aquele suor insistente brota no rosto. Tudo é para ontem. “É que o nosso tempo aqui é assim. Parece um fio de vela. De repente, acabou.”
Tudo, aliás, começou lá atrás, na infância. “Você vai jogar bola. Eu já imaginava a hora que terminava o jogo, ia tomar banho, que horas ia voltar para casa”, se recorda.
Ansioso? Os colegas de trabalho que o digam.
“Até no começo teve aquelas situações: mas ele fala demais, aquela coisa toda”, diz o analista administrativo Magnos Bettio. “É difícil acompanhar o ritmo dele. A gente tenta, mas é bem à frente do que estamos acostumados a trabalhar.”
Perfeccionista, Bigon sabe que precisa pisar no freio, mas nem sempre se contém. “A gente tem essas coisas de ficar esperando que as pessoas trabalhem na mesma velocidade que você. A minha esposa já falou: o mundo não é assim, as pessoas não são assim”, comenta.
Para o médico Luiz Renato Carazzai, do Ambulatório de Saúde Mental do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, a tecnologia e a rapidez da vida moderna interferem diretamente no comportamento humano.
“Todos nós vamos ter ansiedade em algum momento da nossa vida. Esta ansiedade é uma ansiedade boa, que nos impulsiona a ir para frente na vida. Por outro lado, se não tiver um limite para esta ansiedade, ela começa a aumentar e o nosso cérebro não consegue compensar. Isto gera, então, a ansiedade ruim, a ansiedade negativa, que traz não só sintomas emocionais, mas sintomas físicos para o nosso organismo”, alerta o Luiz Renato.
Para o médico, é preciso se desligar do mundo de vez em quando e prestar mais atenção aos sinais que vêm de dentro de cada um de nós.
“Uma das questões importantes é a autoestima. No momento em que você esteja se gostando, você tem menos preocupação de que os outros vão te tirar do jogo. É importante a gente perceber que nós podemos, sim, ter momentos que não precisamos ter contato com a sociedade, ter momentos que a gente possa ter contato consigo próprio, consiga ter contato com a família, com os filhos, sem que isso traga algum prejuízo a nível social”, ressalta.